27 de março de 2013

A Trindade no Antigo Testamento

 
A visão da teologia história sobre a Trindade no Velho Testamento é muito clara. Berkhof lembra que para alguns Pais da igreja a Trindade teria sido completamente apresentada no Velho Testamento ao passo que os arminianos afirmam que não há dessa doutrina no VT. Ele também considera as duas opções erradas e complementa: “O Antigo Testamento não contém plena revelação da existência trinitária de Deus, mas contém várias indicações dela“. É bem provável que Berkhof esteja certo, mas vamos observar o que o VT tem a informar sobre o assunto.
Normalmente a Trindade é defendida pela forma como Deus é apresentado no primeiro capítulo de Génesis. Alguns teólogos apontam para o fato de que a pessoa de Deus está descrita no plural (Elohim). Uma vez que os judeus têm lido esse texto durante séculos e não apontaram a existência de vários deuses, podemos considerar como uma situação interessante. McClaren sobre o assunto chegou a dizer: “O plural Elohim não é sobrevivência de um estágio politeísta, mas expressa a natureza divina na sua totalidade completa, incluindo uma pluralidade de pessoalidades“. Entretanto, Berkhof afirma que embora o plural contenha a ideia de pluralidade de pessoas, não aponta para sua tri-unidade.
Ainda no primeiro capítulo de Génesis uma expressão nos chama a atenção: “Façamos o homem” (v.26). Uma vez que vemos que existe uma pluralidade, não é de se espantar que use a primeira pessoa do plural para realizar algo tão majestoso como o homem. É bem verdade que é possível que esse plural seja um plural de excelência. Entretanto, é interessante perceber que os autores neo-testamentários entendiam que Cristo tenha sido ativo na criação: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Heb.1:1-2). Em João 1:3 ainda lemos: “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez“. Em nenhum momento vemos os autores neo-testamentários atribuírem tal ideia à Génesis capítulo 1, isso é bem verdade, mas isso parece subentendido no seu parecer.
Assim, não considero um exagero encontrar uma alusão à trindade aqui, até por que o Espírito de Deus também é mencionado nesse capítulo: “A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas” (Gén1:2). A ação atribuída aqui ao Espírito de Deus é muito interessante, pois, ainda que denote a ideia de sobrevoar ela também descreve uma forma de proteção. Em Deuteronómio 32:11-12, onde essa palavra é novamente usada, lemos: “Como a águia desperta a sua ninhada e voeja sobre os seus filhotes, estende as asas e, tomando-os, os leva sobre elas, assim, só o SENHOR o guiou, e não havia com ele deus estranho”. Considerando isso, é bem possível que essa seja uma alusão à participação criativa do ES no início, pelo menos essa é a opinião de Ryrie.
Outra situação, ainda em Génesis que merece nossa atenção é vista na cena da queda: “Então, disse o SENHOR Deus: Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal; assim, que não estenda a mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente” (Gn.3:22). Uma vez que o autor dessa expressão é o mesmo que escreveu o shema de Deuteronómio 6:4, não podemos supor que ele entenda a existência de muitos deuses. Mais uma vez, a pluralidade de Deus ficou evidente, muito embora não delineada em quantidade ou diferença de pessoa. Mas será que no VT temos algum indicativo disso?
Para responder a essa indagação podemos citar um texto que parece elucidar essa questão: “Chegai-vos a mim e ouvi isto: não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que isso vem acontecendo, tenho estado lá. Agora, o SENHOR Deus me enviou a mim e o seu Espírito” (Is.48:16). Essa parece uma indicação muito interessante da Trindade no Velho Testamento, uma vez que o texto fala do Messias como enviado da parte de Deus com o Espírito. Em outro caso, o Messias fala sobre sua unção do Espírito e de Deus: “O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados” (Is.61:1; cf. Lc.4:18). Isso parece deixar evidências nas páginas da teologia histórica que apontam para uma compreensão primitiva do conceito da Trindade. Essa conclusão está em acordo com a revelação progressiva das escrituras.
Até aqui, vemos que as escrituras defendem a doutrina da Trindade de modo muito peculiar. Por isso é importante se considerar a interação entre os dois testamentos e progressão da revelação. Para ilustrar esse princípio, cito mais uma vez Berkhof: “Se no Antigo Testamento Jeová é apresentado como o Redentor e Salvador de Seu povo (…) no Novo Testamento o Filho de Deus distingue-se nessa capacidade (…) E se no Antigo Testamento é Jeová que habita em Israel e nos corações dos que temem (…) no Novo Testamento é o Espírito Santo que habita na Igreja”. Assim, podemos ver que aquelas atividades que são apresentadas a Deus no Velho Testamentos são especificadas a pessoas diferentes no Novo Testamento e isso atesta tanto a divindade do Filho e do Espírito como sua própria unidade com Deus.