1 de maio de 2012

A Questão dos Alimentos Limpos e Imundos


Génesis 9:1-3: “Abençoou Deus a Noé e a seus filhos, e disse-lhes: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a Terra. Terão medo e pavor de vós todo animal da Terra, toda ave do céu, tudo o que se move sobre a terra e todos os peixes do mar; nas vossas mãos são entregues. Tudo quanto se move e vive vos servirá de mantimento, bem como a erva verde; tudo vos tenho dado”.

A dificuldade que nos foi apresentada nas palavras divinas da passagem acima é facilmente superada quando se toma a Bíblia globalmente. O grande problema de algumas interpretações falsas é sempre a segmentação indevida da Palavra de Deus, tomando-se versos, cláusulas ou até palavras isoladas para ajustarem-se a pressupostos e preconceitos, torcendo-se o sentido integral o pensamento do autor sagrado.

Por exemplo, o texto diz que todo animal da Terra teria “medo e pavor” do homem. Contudo, será que isso deve ser entendido em termos absolutos? O que dizer de ursos, onças, leões, hipopótamos, crocodilos, tubarões, dos quais os homens é que fogem, e com bons motivos? Certamente é um risco de vida enfrentar tais animais em seu estado natural.

Noé e sua família receberam uma bênção semelhante à pronunciada sobre Adão e Eva após sua criação (cap. 1:28). Assim como Adão havia sido o progenitor de todos os membros da raça humana, Noé chegava a ser o progenitor de todos os seres humanos depois do dilúvio. Em ambos os casos a bênção consistiu numa ordem divina de frutificar e encher a Terra.

No entanto, faltava uma parte da bênção prévia, a saber, a ordem de subjugar a Terra. Sem dúvida esta omissão reflete o fato de que o domínio do mundo atribuído ao homem durante a criação se tinha perdido pelo pecado. O pecado tinha alterado a relação que originalmente existiu entre o homem e os animais, e estes, pelo menos até certo limite, ficavam fora do controle do homem.

Já que o pecado, com suas consequências, tinha debilitado o vínculo de sujeição de parte dos animais à vontade do homem, de ali em adiante tão só pela força ele poderia reger sobre eles, mediante esse “medo” que Deus agora inculcou na criação animal. A natureza tinha ficado separada do homem.

O medo que todos os animais terrestres, voláteis e aquáticos tinham de ter não excluiria sua rebelião ocasional contra o domínio do homem sobre eles. Às vezes se levantariam e destruiriam ao homem. Em realidade, Deus os usou em alguns casos para administrar justiça divina (ver Êxo. 8: 6, 17, 24; 2 Reis 2: 24). No entanto, a condição normal das criaturas inferiores seria de instintivo temor para com o homem, o que faria com que se refugiassem, em lugar de procurar a sua companhia. É um fato que os animais se retiram sempre que avança a civilização humana. Mesmo as feras, a menos que sejam provocadas, geralmente se refugiam do homem antes que o atacar.

Este pronunciamento divino encontrou seu cumprimento na domesticação de certos animais de cuja ajuda precisa o homem, domando ainda animais selvagens mediante o poder superior da vontade humana e na bem sucedida redução dos seres daninhos à impotência mediante criatividade e talento.

Ser-vos-á para manutenção. Não significava que o homem por primeira vez tivesse começado a comer carne de animais, mas tão somente que Deus por primeira vez o autorizava, ou melhor lhe permitia fazer o que o dilúvio tinha convertido numa necessidade. Os ímpios antediluvianos poderiam ser carnívoros mas não foi a vontade original do Criador que suas criaturas se comessem entre si. Deus tinha dado ao homem plantas para comer (cap. 1: 29). Com a destruição de toda vida vegetal durante o dilúvio e com o esgotamento das reservas de alimentos que foram levados à arca, surgiu uma emergência a que Deus fez frente dando permissão para comer a carne de animais.

Esta permissão não implicava um consumo sem restrições e sem limites de toda classe de animais. A frase “tudo o que se move sobre a terra” exclui claramente o comer cadáveres de animais que tinham morrido ou tinham sido mortos por outras feras, o que mais tarde proibiu especificamente a lei mosaica (Êxo. 22: 31; Lev. 22: 8). Ainda que aqui não se apresente a distinção entre animais limpos e imundos com respeito aos alimentos, isso não significa que a regra era desconhecida por Noé. Que Noé conhecia essa distinção resulta claro pela ordem prévia de levar mais animais limpos que imundos na arca (Gén. 7: 2), e porque Noé ofereceu tão-só animais limpos como holocausto (cap. 8: 20).

A distinção deve ter sido tão perfeitamente conhecida pelos primeiros homens que foi desnecessário que Deus chamasse especialmente a atenção de Noé a ela. Tão-só quando esta distinção se tinha perdido através dos séculos de afastamento do homem de Deus, promulgaram-se novas instruções escritas acerca de animais limpos e imundos (Lev. 11; Deut. 14). A imutabilidade do caráter de Deus (Tia. 1: 17) exclui a possibilidade de se interpretar esta passagem como uma permissão para sacrificar e comer qualquer animal. Os que eram imundos para um propósito não podiam ser limpos em outro.

Ervas. Isto envolve a novidade da permissão de comer carne, além de verduras e frutas que originalmente tinham sido destinadas como alimento para o homem. Não só foi pela ausência temporal de vida vegetal, como resultado do dilúvio, Deus permitindo que o homem complementasse seu regime vegetariano com carne, senão também possivelmente porque o dilúvio tinha mudado tão completamente a forma externa da Terra e tinha diminuído sua fertilidade ao ponto de que em algumas regiões, tais como as do extremo norte, não produziriam suficiente alimento vegetal para sustentar a raça humana.

Carne com sua vida. A proibição se aplica a comer carne com sangue, já fora de animais vivos como tinha sido o bárbaro costume de algumas tribos pagãs do passado, ou de animais sacrificados que não tivessem sido bem sangrados. Entre outras coisas, esta proibição era uma salvaguarda contra a crueldade e um recordativo do sacrifício de animais, nos quais o sangue, como portador da vida, era considerado sagrado.

Deus previu que o homem, ao cair como fácil vítima das crenças supersticiosas, pensaria que participando do líquido vital, sua própria vitalidade seria revigorada ou prolongada. Por estas razões, e provavelmente por outras que agora não parecem claras [como o fato de o sangue venoso ser carregado de toxinas maléficas], foi irrevogavelmente proibido comer carne com sangue. Os apóstolos consideraram que esta proibição ainda estava em vigência na era cristã. Chamaram a atenção disto especialmente aos crentes cristãos de origem gentílica, porque esses novos crentes, antes de sua conversão, tinham estado acostumados a comer carne com sangue (Atos 15: 20, 29). [Adaptado do SDA Bible Comentary, em espanhol].

Muito bem, resolvida esta “dificuldade”, que tal os nossos amigos objetores resolverem as 10 questões abaixo?

1 - Por que Deus separou os animais em limpos e imundos já no episódio do dilúvio (Gén. 7:2)? Teria Ele simplesmente “cismado” com certa classe de animais e instituído tais regras sem qualquer razão lógica e prática?

2 - Se a divisão referida visava só a sacrifícios, por que Deus mandou para a arca 3,5 vezes mais animais limpos do que imundos, quando nada indica que o número de sacrifícios fosse assim tão grande e frequente?

4 - Por que Deus só aceitava animais limpos para sacrifícios? [Uma dica: Ver 1 Cor. 9:13].

5 - Sendo um princípio divino de que devemos glorificar a Deus com o que comemos e bebemos (1 Cor. 10:31), como carnes imundas que seriam excluídas dos sacrifícios (já que certamente não serviriam a tal propósito) desde então poderiam servir para a glorificação de Deus?

6 - Por que também a restrição quanto ao consumo de sangue foi instituída quando Deus autorizou o consumo de carnes (Gén. 9:4, 5)? Não devia prevalecer plena liberdade para o homem comer o que quisesse?

7 - Como prova que a ordem para Noé comer “tudo quanto se move” incluía os animais imundos, sendo que Noé já havia sido notificado da divisão entre animais limpos e imundos (Gén. 7:2, 3), e até o modo como o verso está redigido deixa a clara impressão que tal divisão já era do seu conhecimento, não uma “novidade”?

8 - Como prova que a ordem para Noé comer “tudo quanto se move” incluía os animais imundos, sendo que mais tarde o mesmo autor do Génesis, Moisés, explica em Êxo. 22:31 o sentido de tal ordem como não se devendo comer “carne que por feras tenha sido despedaçada no campo”, ou seja, deviam comer só animais vivos, não os encontrados mortos?

9 - Qual era a vantagem para a humanidade em Deus deixar os homens se alimentarem livremente de toda espécie de animal, como ratos, urubus, macacos, cobras e lagartos, sendo que hoje se sabe que o consumo de alguns deles, como no caso de africanos, acarretam doenças terríveis, como AIDS e febre ebola, e a praga bubónica que levou à morte milhões de pessoas na Europa durante a Idade Média, procedeu de ratos?

10 - Embora a ordem divina para Noé alimentar-se de animais se contraste com a ordem anterior para o homem se alimentar de ervas, onde é dito que ao Deus falar em “toda erva” sendo permitida para consumo do homem (Gén. 9:3) ficam excluídas as que são venenosas para o ser humano?

Autor: Prof. Azenilto G. Brito